
Existe um lugar, e só existe pra mim.
Um lugar primeiro pensamento, quando sempre houve fuga, um lugar primeira escolha, quando sempre prefiro o simples.
Cuida das melhores lembranças, reúne pedaços de uma história que deve ser a minha, porque é só o que há; ele guarda o tempo, com suas passagens e força, ele guarda o que me tira e o que eu tenho, mas guarda muito mesmo o que eu quero.
Um lugar que sempre foi meu, nas minhas vontades, nas minhas imensas saudades de casa, um lar abrigando meus secretos desejos de criança, as sufocadas dores da infância de incompreensíveis faltas. O recanto dos descobrimentos, da memória dos pequenos acontecimentos que ressoarão por toda a vida, do anseio enlouquecido de nunca esquecer o olhar de quem enxerga o essencial.
Guardo detalhes, menores, preenchendo minha memória como não querendo deixar espaço pra mais nada, porque não há o que se aproveite aqui, nada que não sejam retalhos das marcas desse lugar.
Um canto, um pedaço, um espaço, uma coisa, com suas formas tão limitadas me abrindo veredas entre angústias e esperanças, um lugar com exata destinação, entregue à malícia do tempo que carrega com pó e cupins as inconsoláveis mágoas e alegrias perdidas.
É sentar na calçada e olhar negrinho correndo, descendo a rua pra beira-rio banhar, é igrejinha de praça lotada, é a cor do muro, é portão, é o cheiro no ar, é a goiabeira, e a bola caindo no quintal...
É passarinho por entre as acerolas e o peixe assando na brasa invadindo a cerca de arame farpado, e o tanque das tartarugas, primeiras e únicas de se brincar, é pintinho pra neta cuidar, é vó balançando na rede de pente pendurado nos cabelos e a xícara de leite em pó enquanto pernas pro ar no sofá...
É pra sempre uma criança, alimentada de sonhos sem os ter que abandonar, sendo-os com a pureza de quem jamais saberá que sonhos abandonam-se entre cupins e pó.