sexta-feira, 28 de novembro de 2008


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É, eu não sou pra essa coisa de elevação espiritual, busca de equilíbrio e vida regrada, reter paixões e moderar desejos... Não, definitivamente hábitos estóicos não me competem, e se felicidade tem a ver com isso mereço mesmo infelicidade eterna, porque o que alimento são inquietações e o que pode ter sabor tem que mexer com meus alicerces.
O que é racional demais não dá pra mim.
Resignação não combina comigo, covardia sim, mas até isso me sacode; desistir não combina comigo, protelar sim, mas isso também me perturba; enquanto deixo coisas mal feitas e outras esperando o tempo que nunca vai ser tão certo quanto o agora, desordeno uma ordem que na verdade não me pertence, bagunço um movimento que nem sei se comando, mas danço num ritmo que me suporta.

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espalhando pedaços...




O mais que sou é superfície, é fuga, é uma covardia boa, por escolha, das coisas que me martelam sempre e por isso deixo elas pra depois.

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Mas amanhã vou te querer, como sempre te quero depois, então me atenda, me receba quando eu chegar de surpresa e mudar algumas coisas, não me entenda se não der, mas me queira, me queria sempre...

*

Não me dou de graça, não, não sei me doar, eu troco, eu recebo, eu roubo, até fico devendo, mas não me dou. Preciso desse pouquinho de cada coisa, procuro, mexo e me perco, mas não me dou de graça.

domingo, 23 de novembro de 2008

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É minha criança que chora, ainda, de dor, de alegrias, é sob o olhar infantil que guardo sem minha permissão, que vive tudo dentro de mim.

Sem obviedade, apesar das tantas confissões, é com estampada imperfeição que anoiteço e amanhecerei.

Como humana que dói por achar que merece mais amor, não como mulher que tem o que lhe derem...

Encontro costumeiramente o passado, encontro, mas nunca estou junto, como as costumeiras presenças vagas, às vezes justamente por elas.

É um riso sem igual as pequenas presenças cheias de memórias...

É sem tamanho as memórias sem presenças.

E dos amores jurados pra sempre sobram palavras talvez hoje mais vividas, um quebra-cabeça montado que continua a habitar falta.

Gostaria que somente as perguntas resolvessem...

Sonhar dói.


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Todo mundo é lobo por dentro (Petulante)


Você me disse que eu sou petulante, né?
acho que sou sim viu
como a água que desce a cachoeira
e não pergunta se pode passar
você me disse que meu olho é duro como faca
acho que é sim viu
como é duro o tronco da mangueira
onde você precisa se encostar
você me disse que eu destruo sempre
a sua mais romântica ilusão
e que destruo sempre com minha palavra
o que me incomodou
acho que é sim
como fere e faz barulho o bicho que se machucou viu?
como fere e faz barulho o bicho que se machucou viu?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Insustentável passividade



Cada pedaço desse pensamento me pesa, como uma culpa por não ser, fazer, poder melhor.
Olho da janela para a vista de todos os dias com as mil falhas que poderia apontar; a mesmice me assusta, me aterroriza. É a insustentável passividade diante das repetições do dia a dia, com a montagem e desmontagem que as horas mal aproveitadas comandam; tenho medo do que isso provoca, ou não provoca, porque é o mesmo que não sair do lugar, é dar voltas em círculos.
Quando passo a detestar as pessoas e os lugares é quando eles não me trazem nada mais, me enterram num processo sem transcendência, me perdem numa vida sem frutos.
Sem espaço para ousadia nem pensamento, sem lugar para criação nem contemplação, só um desenrolar mecânico de insuperáveis limitações.





"...
Tem que saber que eu quero é correr mundo, correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
..."
[Caetano Veloso]

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

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Tenho medo da felicidade, afugento de pouco com pequenas doses de sinceridade tudo que dela se me aproxima, porque a realidade é conflituosa demais pra dar lugar a sua simplicidade terna... Aliás, não gosto do que é fácil, e, aliás, não sou fácil comigo.
Prefiro o desafio das inquietações, o peso das escolhas, as mil caras da vida.
E eu, tenho uma cara honesta de quem não quer fugir, e uma cara infiel de quem sabe fingir; finjo como quem foge de uma sina, fujo como quem finge que sabe o que quer.

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sábado, 8 de novembro de 2008

Gasto de mim...



Quero um pouco dessa alegria emprestada, mas não me condene hoje, não julgue, se é porque não sei viver, quem é que sabe?
Tem umas mentiras bonitas falando por mim, de coisas de olhares, de alguns gestos e palavras; são tão astuciosos e são tão donos de si, quero dizer, eles podem comigo, eles superam as verdadeiras vontades.
De todas as coisas que não sei, sei um além daqui, além do que alcanço com o corpo, com a alma atarantada das coisas abafadas, das coisas mal entendidas, mal resolvidas, de brigas velhas de gente esquecida no rancor de um tempo que não pode mais.
Talvez amanhã se tiver condenação, depois do banho escuto e finjo que serviu pra alguma coisa, mas hoje só quero emprestada tua alegria, pra dormir e não sentir a fragilidade acusada no nó da garganta; só por enquanto precisar de alguém e não fingir que não.
É que agora sou assim, sorrio grande e com graça, uma metade da meia verdade que me fiz, mas se eu enfim e com vontade chorar vai ser muito de mim indo embora, e se destilo essa ira de agora a pouco é covardia mexida, então, e não só por hoje, por favor, entenda minha confusão.
Gasto de mim com quadros velhos e irreparáveis que eu mesma expus aqui num fundo, e não profundo, e não distante de alcançar.
Qualquer um é capaz de me ferir, basta enxergar a verdade.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Lenine


O que é bonito
É o que persegue o infinito
mas eu não sou, eu não sou não
Eu gosto é do inacabado, o imperfeito, o estragado que dançou,
o que dançou

Eu quero mais erosão menos granito
Namorar o zero e o não
e escrever tudo o que desprezo e desprezar tudo que acredito
Eu não quero gravação nao eu quero o grito

Que a gente vai, a gente vai e fica a obra
mas eu persigo o que falta não o que sobra
Eu quero tudo que dá e passa, quero tudo que se despe, se despede e despedaça
Eu quero tudo que dá e passa, quero tudo que se despe, se despede e despedaça

"O que é bonito"

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Um lugar primeiro pensamento


Existe um lugar, e só existe pra mim.
Um lugar primeiro pensamento, quando sempre houve fuga, um lugar primeira escolha, quando sempre prefiro o simples.
Cuida das melhores lembranças, reúne pedaços de uma história que deve ser a minha, porque é só o que há; ele guarda o tempo, com suas passagens e força, ele guarda o que me tira e o que eu tenho, mas guarda muito mesmo o que eu quero.
Um lugar que sempre foi meu, nas minhas vontades, nas minhas imensas saudades de casa, um lar abrigando meus secretos desejos de criança, as sufocadas dores da infância de incompreensíveis faltas. O recanto dos descobrimentos, da memória dos pequenos acontecimentos que ressoarão por toda a vida, do anseio enlouquecido de nunca esquecer o olhar de quem enxerga o essencial.
Guardo detalhes, menores, preenchendo minha memória como não querendo deixar espaço pra mais nada, porque não há o que se aproveite aqui, nada que não sejam retalhos das marcas desse lugar.
Um canto, um pedaço, um espaço, uma coisa, com suas formas tão limitadas me abrindo veredas entre angústias e esperanças, um lugar com exata destinação, entregue à malícia do tempo que carrega com pó e cupins as inconsoláveis mágoas e alegrias perdidas.
É sentar na calçada e olhar negrinho correndo, descendo a rua pra beira-rio banhar, é igrejinha de praça lotada, é a cor do muro, é portão, é o cheiro no ar, é a goiabeira, e a bola caindo no quintal...
É passarinho por entre as acerolas e o peixe assando na brasa invadindo a cerca de arame farpado, e o tanque das tartarugas, primeiras e únicas de se brincar, é pintinho pra neta cuidar, é vó balançando na rede de pente pendurado nos cabelos e a xícara de leite em pó enquanto pernas pro ar no sofá...
É pra sempre uma criança, alimentada de sonhos sem os ter que abandonar, sendo-os com a pureza de quem jamais saberá que sonhos abandonam-se entre cupins e pó.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008


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Nunca amei ninguém. O mais que tenho amado são sensações minhas -
estados da visualidade consciente, impressões da audição desperta, perfumes que
são uma maneira de a humildade do mundo externo falar comigo, dizer-me coisas
do passado (tão fácil de lembrar pelos cheiros) -, isto é, de me darem mais
realidade, mais emoção, que o simples pão a cozer lá dentro na padaria funda,
como naquela tarde longínqua em que vinha do enterro do meu tio que me amara
tanto e havia em mim vagamente a ternura de um alívio, não sei bem de quê.
E esta a minha moral, ou a minha metafísica, ou eu: Transeunte de tudo - até
de minha própria alma -, não pertenço a nada, não desejo nada, não sou nada -
centro abstracto de sensações impessoais, espelho caído sentiente virado para a
variedade do mundo. Com isto, não sei se sou feliz ou infeliz; nem me importa.
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Fernando Pessoa (Livro do desassossego)
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Cinthia Freitas