segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Coração na boca

Tenho cantado todas as noites. E canto para mim mesma. Com a porta do quarto trancada, finjo que o mundo tem isolamento acústico e grito alto e com força para dentro de mim a resposta para as coisas de fora que eu calo no resto do dia. Esse grito me resgata do entorpecimento causado pelas amarras da rotina. Não sou cantora profissional, não sou nem cantora. Mas canto o que outros viveram para viver minhas dores, alegrias e infinitas questões em companhias sinceras. Canto para falar de quem eu sou, do que não sei dizer, para dar nome ao que não conheço, para me livrar de mais um dia, canto para não me conformar. Nesse ritual de descarrego me olho no espelho confrontando as agruras, imagino um palco, uma plateia, um show completo das minhas breguices sentimentais, e como é bom! Poucos rituais íntimos sobrevivem às mudanças que sofremos com o tempo, e os que permanecem são capazes de nos resgatar com força às vezes até de nós mesmos, do que vamos aos poucos e inconscientemente nos tornando. Assim sinto quando canto sozinha, entregue, aberta, como se resgatasse as forças que me são arrancadas gradativamente, as quais, no meio das tormentas silenciosas, nem sequer enxergo. Também passo longos períodos de silêncio. Um silêncio de mim e dos outros. Meus olhos, que normalmente observam atentos aos detalhes mais insignificantes, silenciam diante do mundo, cansam de ver. Meus ouvidos escutam e não ouvem, encolho as extremidades do meu corpo para não tocar as coisas incompreensíveis e a boca cala em definitivo o que o resto do corpo já não sente. É, também há silêncio. Costumava escrever, muito mais do que cantar ou deixar sufocadas num corpo apático minhas inquietações. Antes, os sentimentos eram mais fluidos e escorregavam mais facilmente pelas letras, acho também que não me importava em como dizer e apenas largava os pensamentos nas calmas e convidativas folhas de papel. Hoje para me expressar tudo tem de fazer o máximo de sentido, as palavras precisam estar certas, tenho de lembrar de regras, e talvez por isso venha abandonando o papel e escolhendo ora o grito, ora o silêncio, tentando preservar o mais natural dos meus sentimentos. Por enquanto o importante é que tenho cantado e ,quando canto, parto da superfície para o mais profundo que posso, reabrindo portas em mim, percorrendo caminhos de dentro que estavam desertos. Às vezes é o cansaço que subtrai tanto as forças e as pulsões necessárias, que é possível esquecer o que antes era alimento para a alma, o que era tão vital, e de repente é uma falta tremenda, um buraco por dentro, um vazio imprevisto. E aí refaço meus caminhos cantando, gritando, sentindo. Eu canto e o palco é o meu avesso. “Quando eu soltar a minha voz, por favor entenda...”
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Cinthia Freitas